A crise de opióides não para de gerar novos capítulos. Ontem no estado de Oklahoma (EUA), a empresa Jonhnson e Jonhnson foi condenada a pagar 600 milhões de dólares por propagar entre pacientes e médicos falsas informações sobre segurança e baixo risco de dependência de seu produto, no caso o Durogesic. Esta não é a primeira vítima da justiça americana. Recentemente a American Pain Society, braço americano da IASP (International Association for Study of Pain) foi a falência devido aos processos que recebeu por promover o uso de opioides sem fundamentação científica sólida em troca de robustos patrocínios.
Entre 2000 e 2017, ao redor de 400.000 americanos foram vitimados pelo abuso de opióides.
A prescrição indiscriminada de opiópides, em sua maior parte realizada por médicos da medicina primária, sem uma experiência sólida na forma mais segura de prescrevê-los, foi fomentada por propagandas em revistas direcionadas ao público leigo, promovida pelos poderosos laboratórios. Esses pacientes já chegavam às consultas sugerindo o que queriam receber de medicação.
A justiça de Oklahoma já condenou outros laboratórios, entre eles a Purdue, proprietária do Oxcontin.
Nos Estados Unidos, o consumo percapita de opióides é muito alto comparado com o restante do mundo. São consumidos 700mg de morfina por pessoa/ano. Somente 4.6% da população mundial consume 69% dos opióides produzidos globalmente! Como comparativo, o Brasil consome 5mg pessoa/ano de morfina.
E o que nos diferencia?
No Brasil, para se prescrever opióides fortes, precisávamos de receitas amarelas que são disponibilizadas de uma forma burocrática, na Secretaria Municipal de Saúde. Isso é um limitador na prescrição do mal uso dessas medicações. A maioria dos médicos que tem receitas amarelas, usam com bom senso suas receitas.
Entendemos que opióides fortes não tem dose teto de efeito; quanto maior a dose, mais efeitos causam, seja positivo no alivio da dor ou efeitos colaterais associados a dose maior. Os opioídes considerados fracos ( exemplos: codeína e tramadol) tem efeito teto sendo que a partir de uma determinada dose não agregam mais analgesia. Para os opióides fracos, receita branca carbonada basta e é de fácil acesso a qualquer médico prescritor.
Interessante que os medicamentos Oxycontin ( Oxicodona) e Restiva (Bupremorfina) no Brasil, ambos distribuídos pela Mundipharma, dispensam o uso de receita amarela em suas prescrições, sendo necessário apenas a receita branca carbonada. E porque outros medicamentos, de outros laboratórios, não gozam do mesmo “benefício”? Perguntas que nosso Brasil precisa responder.
Hoje prescrevo opióides de uma forma muito pontual, preferencialmente nas dores do câncer, evitando o uso por tempo indeterminado em dores crônicas benignas.
Acredito que para prevenirmos este problema devamos promover, com o apoio de diferentes sociedades médicas, uma educação continuada na forma segura de prescrever opióides. A presença de um Estado regulador que até aqui restringia a prescrição de forma abusiva, involuntariamente nos protegeu de estarmos mergulhados na mesma crise que os americanos se meteram.
Charles Amaral de Oliveira
CRM 78024