Há 6 anos, Dra. Agnes Stogicza se mudou de Budapeste para Seattle (EUA) para aprender sobre o tratamento da dor no serviço considerado a maior referência mundial no assunto: a Universidade de Washington, onde o Dr. John Bonica fundou o primeiro centro multidisciplinar e inaugurou as bases da Medicina da Dor. Desde então, ela tem compartilhado seu aprendizado com médicos de outros países, incluindo seu país natal, Hungria, e também o Brasil. Nos dias 2 e 3 de abril, ela esteve no Singular, como convidada internacional do terceiro módulo do VI Curso Singular de Medicina Intervencionista da Dor. Foi o terceiro ano consecutivo que ela esteve no Brasil. Em entrevista ao Dr. Charles de Oliveira, ela falou sobre sua experiência nos EUA e declarou que pretende aceitar todos os convites para estar no Brasil, pois ama muito o país.
Dr. Charles – Agnes, o que te levou a se mudar de Budapeste para os EUA?
Dra. Agnes – Eu estava muito interessada em aprender sobre o tratamento da dor e já trabalhava com isso em Budapeste, mas lá não há uma boa formação em dor. Eu queria aprender mais. Durante um tempo, eu viajei pelos EUA. Fiquei 6 meses no Texas Tech University e passei 7 dias com Dra. Andrea Trescot, minha mentora. Aprendi tantas coisas interessantes que decidi que ficaria nos EUA pelo menos um ano.
C – Você escolheu ficar na Universidade de Washington, que é um lugar muito importante para nós, pois foi lá que trabalhou o Dr. John Bonica (médico pioneiro na Medicina da Dor). Lá é um bom lugar para se trabalhar?
A – Foi muita sorte eu ter entrado lá. Enquanto eu estava fazendo os exames para a licença, ainda em Budapeste, foi aberta uma vaga para mim na Universidade de Washington. É um serviço incrivelmente diferente de Budapeste, muito bem organizado. A equipe multiprofissional conta com médicos generalistas, neurologistas, psiquiatras, psicólogos e fisioterapeutas. É uma equipe muito boa que trabalha em conjunto, o que é fantástico para os pacientes.
C – Depois de aprender tantas coisas nos EUA, o que você pode levar para o seu país, Hungria?
A – Desde que eu fui para os EUA eu penso em oferecer algo ao meu país. Logo no começo da minha estadia, eu comecei a viajar periodicamente de volta a Budapeste para participar das conferências nacionais de anestesia e oferecer palestras a respeito do tratamento da dor. Além disso, todos os anos nós organizamos um encontro do Instituto Mundial de Dor (WIP) em Budapeste. Apesar de ser um encontro internacional, nós sempre convidamos médicos húngaros e às vezes até organizamos workshops especialmente para os médicos locais.
C – O que você pensa a respeito do futuro do tratamento da dor?
A – Até mesmo na Universidade de Washington, o serviço de dor é liderado por um médico não intervencionista. Há uma equipe de psicólogos e psiquiatras que realizam pesquisas de muita qualidade. Com isso, o foco foi mudando dos procedimentos intervencionistas para a Terapia Cognitivo Comportamental e a Fisioterapia, que são áreas muito importantes, até mesmo essenciais, porém me preocupa estarmos deixando de lado alguns procedimentos. Nos EUA, o sistema de saúde é complicado e não há um suporte adequado para os procedimentos intervencionistas.
C – Como está atualmente o uso dos opioides nos EUA e na Hungria?
A – Há um contraste. Acho que os EUA é o país que mais usa opioides por pessoa, havendo muito abuso e dependência. Nos últimos 5 anos, os médicos americanos estão percebendo que este foi um problema gerado pela maneira como eles estavam prescrevendo os opioides. Com isso, agora, as coisas estão progredindo bastante. No estado de Washington, por exemplo, há um monitoramento das prescrições dos opioides. Os médicos têm acesso online às prescrições que já foram feitas para determinado paciente. Com tudo isso, houve uma redução surpreendente no uso de opioides. Talvez estejam até indo ao outro extremo – todos os serviços têm programas de redução de opioides. Até mesmo pacientes que não fazem uso abusivo, que se beneficiam com pequenas doses, têm seus opioides retirados. Esta é a situação americana. Na Hungria, há um contraste imenso, porque nós simplesmente não utilizamos opioides. Na verdade, nunca utilizamos. Eu, provavelmente aprendi sobre opioides na Faculdade, em Farmacologia, e depois disso, vi somente o uso de morfina para pacientes com câncer – nada para dor crônica. Legalmente, na Hungria, a dose mais alta que se pode prescrever é 25mcg/h de Fentanil Transdérmico. Nada mais que isso, o que é uma dose adequada. Minha observação pessoal é que os pacientes sem opioides não estão pior do que os que usam opioides. Estão com o mesmo nível de dor, mas na Hungria não há tanta dependência quanto há nos EUA.
C – Sei que você tem uma grande experiência com Ultrassom. Como o ultrassom mudou a sua prática diária?
A – Uso muito o ultrassom para anestesia regional, o que tem sido um aprendizado fantástico. Tenho entendido muito mais sobre isso. Já os procedimentos guiados por ultrassom não são cobertos pelo sistema de saúde dos EUA, o que torna difícil a sua realização no momento. Tudo o que faço com ultrassom nos EUA, infelizmente eu tenho que fazer antes uma imagem de raio-x para garantir que o procedimento seja custeado. O ultrassom oferece precisão e entendimento de anatomia incríveis. É uma ferramenta fantástica para diagnóstico, permitindo atingir com precisão determinados nervos. Adiciona muito o diagnóstico. Acredito que o sistema de saúde americano gradualmente irá reconhecer isso e irá começar a cobrir os procedimentos guiados por ultrassom, até porque é muito mais barato para eles. Há um interesse financeiro a longo prazo no uso do ultrassom.
C – Muito obrigado pela entrevista e espero te ver todo ano no Brasil.
A – Este é o melhor convite! Nunca vou perder uma oportunidade, pois eu amo muito o Brasil. Muito obrigado.